Estamos a mais de um ano das eleições de 2026. De acordo com os padrões históricos, um ano é muito tempo. A chamada “ativação do eleitorado” — fase em que a população se torna mais sensível ao tema e busca informações para decidir em que candidatos votar — se inicia poucos meses antes do pleito, tipicamente em julho. No entanto, o país vive um certo clima eleitoral permanente, graças à previsível opção de Lula, desde o primeiro dia de seu mandato, por abdicar de governar; de incorporar um personagem durante 100% do tempo, e de formatar suas ações e as poucas medidas concretas de seu governo não pelo seu valor verdadeiro para a população, mas pela adequação das mesmas à imagem que construiu de si mesmo ao longo de décadas, ou por sua compatibilidade à narrativa criada por seu ministro de comunicação. A busca constante por espantalhos e inimigos que esta tática demanda, a quem Lula possa culpar e assim escamotear a ausência de um programa de governo, intensifica a percepção do estado permanente de campanha eleitoral vivido pelo país.
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O clima de tensão contínua torna o dia a dia muito desagradável, mas não tem, no entanto, a capacidade de acelerar o calendário. Seguiremos, provavelmente, num estado de grande indefinição quanto ao futuro do país depois de 2026, ao longo dos próximos doze meses.
O candidato que enfrentará Lula no segundo turno em 2026, qualquer que ele seja, representará as chances remanescentes de o país organizar-se, à frente, em múltiplas dimensões. Em pelo menos três planos — o econômico, o de enfrentamento ao crime organizado, e o referente à governança da república, que envolve a organização e a independência dos poderes —, o país se encontra no limite de funcionalidade, para não dizer além dele. Ações imediatas são necessárias para que uma chance de mudança de quadro permaneça viva. Caso haja mais quatro anos de continuidade das práticas em curso, pode-se chegar, nestas três dimensões, a uma situação irremediável, que seja virtualmente impossível de ser corrigida de forma orgânica, ou, no caso do plano econômico, sem que os custos para a reversão dos resultados se tornem significativamente mais elevados.

Comecemos pelo aspecto econômico. Num país em que os gastos do governo e a carga tributária já se situam entre as maiores do mundo, a política econômica do governo resumiu-se, desde o primeiro dia, a aumentá-los. Em 2024, a carga tributária relativa às três esferas de governo atingiu 32% do PIB, o maior valor da série histórica. Os gastos primários totais das mesmas esferas atingiram 42% do PIB, valor só superado em 2020, o ano da pandemia. Lula herdou uma relação dívida bruta/PIB inferior a 74% de seu antecessor, mas a entregará a mais de 80% ao fim de seu quadriênio, a despeito de a economia ter crescido a um ritmo médio de 3% em seu mandato, graças ao bom desempenho do setor agropecuário, e da expansão contínua de gastos que promoveu.
O elevado impulso fiscal e os flertes com a mudança de meta de inflação exigiram que o Banco Central praticasse uma política de juros reais elevados, que contribuíram para a expansão da dívida. A atual combinação dos níveis de juros reais, déficit primário do governo e crescimento do PIB implicam aumento anual da razão dívida bruta/PIB na casa de 5 pontos porcentuais por ano. Ciclicamente, com a taxa de desemprego já não tendo espaço para cair, e com a economia submetida a um patamar de juros contracionista, o crescimento econômico caminha para um esgotamento, à frente.
A partir de 2027, o nível de engessamento do orçamento federal não mais permitirá a execução de despesas discricionárias, e a reversão da dinâmica explosiva da dívida exigirá reformas profundas, que jamais seriam realizadas por um eventual quarto governo Lula, como uma nova reforma da previdência, o restabelecimento do teto de gastos, e o congelamento do nível real do salário-mínimo e nominal de outros benefícios, a privatização de ativos, entre outras. Na ausência destas reformas, haveria a percepção de que o endividamento público só poderia ser equacionado pelo aumento da inflação, o que levaria ao aumento das expectativas de inflação e da taxa de câmbio, que, por sua vez, impediriam o Banco Central de cortar os juros. Nestas circunstâncias, a situação de endividamento privado elevado contribuiria, então, para induzir à economia uma recessão relativamente severa. Diante das despesas públicas engessadas e da queda das receitas de impostos, a contração na atividade econômica levaria a razão dívida bruta / PIB a experimentar novo salto, a exemplo do observado entre 2014 e 2016. No plano econômico, portanto, a reeleição de Lula será a certeza de um desastre.


No plano do combate à criminalidade, a situação também é crítica. Em 2021, penúltimo ano do governo Bolsonaro, a pesquisa Quest mostrava que apenas 5% da população apontava a violência como o maior problema do país. Em 2025, mais de dois anos depois do início do terceiro governo Lula, essa proporção chegou a 28%, tendo se tornado, na pesquisa, o item mais citado, e superado preocupações tradicionais como a corrupção, problemas sociais e a economia. Contribuíram para esta piora a expansão dos negócios do crime organizado para além daqueles completamente ilícitos, notadamente nos ramos de combustíveis, cigarros, mineração, transporte público e até transporte por aplicativo, por todo o país. Facções como o PCC e o CV expandiram seu controle por áreas inteiras em grandes capitais. Crimes típicos de narcoestado, como a fuga de dois líderes de facções do presídio de segurança máxima de Mossoró, em 2024, e a recente execução do ex-delegado Ruy Ferraz, um dos primeiros a investigarem o PCC, tiveram sua frequência aumentada. Para dizer o mínimo, o governo não tem uma política para lidar com o assunto, possuindo o PT e suas linhas auxiliares um histórico de tolerância com criminosos. A única medida proposta pelo governo nessa área, a PEC de segurança pública, propõe a centralização do combate ao crime organizado na polícia federal, uma instituição que, além de não ter efetivo e capilaridade para assumir, sozinha, o combate às facções, ocupa hoje boa parte de seu tempo e pessoal na perseguição a adversários políticos do governo. Nesta dimensão, é bastante provável que, ao final de mais quatro anos de mandato do PT, o Brasil estará próximo a modelos mais conhecidos de narcoestado, como México e Venezuela.
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No plano da governança da república, e da observância da cláusula pétrea da constituição que dispõe sobre a independência dos poderes, há muito a ser recuperado, ainda que o presidente da república tenha poderes limitados para alterar, sozinho, a situação de absoluto caos a que se chegou. A hipertrofia do Judiciário, que tem origem no mecanismo constitucional do foro privilegiado, disparou nos últimos anos, encontrando pouca resistência num congresso repleto de parlamentares com extenso passivo criminal, e quase exclusivamente interessado em abocanhar pedaços cada vez maiores do orçamento, sem o grau de transparência devida. Instituiu-se o crime de opinião, e perseguições políticas tornaram-se corriqueiras. Uma agenda para re-circunscrever o judiciário às suas atribuições constitucionais, que inclua a limitação das decisões monocráticas de ministros, o fim do foro privilegiado e dos inquéritos de ofício; a discussão sobre impeachment de ministros; e a anistia aos presos do 8/1, e do ex-presidente Jair Bolsonaro e de seus assessores, são iniciativas que competem ao legislativo, e que constituem um conjunto mínimo de ações necessárias para o retorno do país à normalidade política.


Se já são baixas as chances de que este conjunto de ações se materialize num eventual governo de oposição ao PT, no caso de um novo governo Lula, são próximas de zero, independentemente da composição do Congresso. O processo de recuperação do país, neste plano, seria a longo prazo, e passaria pela substituição orgânica dos atuais ministros do STF por juízes de carreira que fossem comprometidos com a observância dos princípios constitucionais e da lei orgânica da magistratura, à medida em que os atuais se aposentassem. Este certamente não é o plano de Lula, que indicou para o STF, recentemente, seu advogado pessoal, e um político de esquerda. Em suma, no plano da governança da república e da observância do Estado de direito, a reeleição de Lula nos daria a certeza de aprofundamento do abismo em que já nos encontramos.
O país está perdido em múltiplos labirintos, e encontrar a saída (caso exista) de cada um deles demandará esforço, foco, vontade política, e, claro, muito tempo. É ao mesmo tempo ingênuo e quase desumano depositar tantas esperanças nas costas de uma única pessoa, que ainda, se “eleita”, terá sido escolhida em meio à chamada “oposição permitida” — sua unção terá sido contrapartida da oferta de alguma garantia, ao aparato que governa o país, de que não lhe representa ameaça direta.
Considerando o conjunto dos desafios aqui postos, a chance que se apresenta é débil. Ainda assim, é a que temos. Pior, para os millennials, e em especial para os membros da geração X, que hoje se encontram no auge de suas vidas profissionais, é provável que ela seja a última.
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Fonte: Revista Oeste
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