Brasília e Nova York – O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, surpreendeu ao sinalizar um encontro com Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na próxima semana. A manifestação do republicano aconteceu na terça-feira (23/9), durante a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Apesar do gesto, especialistas consultados pelo Metrópoles defendem que a crise bilateral entre os dois países ainda é incerta, visto as alíquotas de 50% aplicadas pelo governo norte-americano.
A expectativa é de que o encontro entre Lula e Donald Trump aconteça na próxima semana por telefone ou por videoconferência, visto a agenda de compromissos do petista. O titular do Palácio do Planalto permanece nos Estados Unidos até quarta-feira (24/9), quando deve participar da segunda edição do evento “Em Defesa da Democracia”.
“Nós o vimos, eu o vi. Ele me viu e nos abraçamos. E então eu disse: ‘Você acredita que vou falar em apenas dois minutos?’ Na verdade, combinamos de nos encontrar na semana que vem. Não tivemos muito tempo para conversar, uns vinte segundos e pouco, pensando bem”, disse Trump.
Tarifas de Donald Trump
- Em abril, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou uma alíquota padrão de 10% para os produtos importados da América Latina. Já em julho, o titular da Casa Branca informou a elevação do percentual para 50%, apenas para os itens brasileiros.
- Por causa disso, o presidente Lula anunciou que o Brasil vai reagir à sobretaxa de 50% de Trump usando a Lei da Reciprocidade Econômica. EUA justificam a taxação como resposta a suposta perseguição a Jair Bolsonaro.
- Em 2024, EUA foram o segundo maior parceiro comercial do Brasil, com exportações na casa dos US$ 40,3 bilhões e as importações por volta de US$ 40,6 bilhões.
- Para socorrer os setores afetados pela nova tarifa, o governo federal lançou o Plano Brasil Soberano, com três eixos: setor produtivo, proteção ao trabalho e diplomacia comercial.
O plano prevê R$ 30 bilhões em linhas de crédito do Fundo Garantidor de Exportações, priorizando pequenas e médias empresas dependentes do mercado americano, condicionadas à manutenção de empregos.
A Casa Branca aplicou as alíquotas de 50% sobre alguns produtos brasileiros em decorrência do que Trump chamou de “caça às bruxas” contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), alvo de ações no Judiciário. O presidente norte-americano inclusive chegou a comentar a condenação do ex-chefe do Executivo a 27 anos e três meses de prisão por participação na trama golpista, para impedir a posse de Lula.
“Estou muito insatisfeito com isso. Eu conheço o presidente Bolsonaro, não tão bem, mas o conheço como líder de um país”, afirmou Trump.
Apesar disso, durante discurso na ONU, o republicano voltou a afirmar que as taxas aplicadas contra o Brasil são uma forma de defender os interesses norte-americanos.
“O Brasil agora enfrenta tarifas pesadas em resposta aos esforços sem precedentes para interferir nos direitos e liberdades de cidadãos americanos e de outros países, com censura, repressão”, pontuou Trump.
Cautela
O gesto do presidente dos Estados Unidos, no entanto, é analisado com cautela por Pablo Victor Fontes Santos, professor de relações internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
“De fato, pode ser, por um lado, uma forma de tentar encurralar, criar armadilhas, é bem possível. Mas, por outro lado, pode ser uma possibilidade de a negociação ter algum tipo de abertura, ainda que mínima. E, por fim, há também a possibilidade de ter uma conversa que não leve a nada”, defende Pablo Victor.
Na mesma linha, Antonio Jorge Ramalho da Rocha, professor de relações internacionais da Universidade de Brasília, não descarta a possibilidade de uma armadilha contra Lula, assim como ocorreu com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, e da África do Sul, Cyril Ramaphosa.
“Com Trump, nunca se sabe. Pode ser pura retórica. Ele não tem apreço pela verdade e muda de opinião muito frequentemente. O fato de ter sido dito em público, para o mundo, é positivo. O governo brasileiro, que sempre esteve aberto ao diálogo, aproveitará para cobrá-lo por isso”, enfatiza Antonio Jorge.
No começo do ano, o presidente da Ucrânia viajou até Washington para se encontrar com Donald Trump. Na ocasião, um bate-boca tomou conta do encontro entre os dois líderes mundiais.
Já Lia Valls, pesquisadora associada do FGV/Ibre, mantém uma posição mais pessimista a respeito da possível reversão da taxação de Trump contra o Brasil. Segundo ela, os Estados Unidos querem utilizar questões políticas como moeda de troca ao aumento das alíquotas, medidas essas que não estão na mesa de negociações de Lula.
“O Trump acua os países, cria situações que podem ser ilegais e empurra negociações, mas no caso do Brasil, muitas das pautas dele não estão diretamente na mesa de Lula”, evidencia Lia Valls.
A pesquisadora da FGV reforça que os impactos da tarifa de Donald Trump são setoriais, sem um impacto expressivo na economia brasileira. Vale lembrar que a alíquota de 50% não vale para todos os produtos brasileiros, mas tem impacto direto no setor agrícola.
“O impacto do tarifaço é setorial. Pequenas empresas de exportação para os EUA sofrem mais, porque não conseguem substituir mercados nem reduzir custos para atender especificidades do mercado americano”, explica Lia Valls.
Negociações
Apesar da tarifa norte-americana não afetar o comércio brasileiro como um todo, o professor José Luiz Pagnussat, da Escola Nacional de Administração Pública (Enap), salienta a importância de insistir nas negociações com o governo norte-americano.
“O problema maior do tarifaço é para os milhares de pequenos negócios de exportações para os Estados Unidos. A maioria não conseguiu substituir no mercado externo a colocação do seu produto. Por exemplo, uma diversidade de frutas, como o caso da manga, que se destinava para os Estados Unidos […] Para atender as especificidades do mercado americano, tinham custos mais elevados de produção. Custos incompatíveis com os preços praticados no mercado interno”, exemplifica José Luiz.
A pauta do encontro ainda não foi definida, mas a manifestação de Trump surpreendeu a comitiva brasileira.
Fonte: Metrópoles
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