O Festival Visa Pour l’Image, ponto de encontro mundial do fotojornalismo que acontece em Perpignan, no sul da França, presta homenagem à fotógrafa palestina Fatma Hassona, morta em 16 de abril deste ano, aos 24 anos, no norte da Faixa de Gaza, vítima de ataques israelenses.
“Os Olhos de Gaza” é o nome da exposição de fotos de Hassona, em cartaz no Convento des Minimes, de Perpignan, até 14 de setembro.
Na abertura do Festival de Cinema de Cannes, em maio, a atriz francesa Juliette Binoche, presidente do júri da Palma de Ouro, fez um tributo a Fatma. “Ela deveria estar aqui conosco”, disse Binoche. De fato, a fotógrafa era a personagem principal do documentário Put Your Soul on Your Hand and Walk (em tradução livre: “Coloque sua alma na mão e caminhe”), da franco-iraniana Sepideh Farsi, em competição na mostra paralela ACID do festival de Cannes.
A motivação para o filme nasceu de uma profunda inquietação, contou a cineasta à RFI. Farsi sentia uma “necessidade muito grande de descobrir a resposta a uma pergunta que a incomodava profundamente: o que os palestinos estavam sentindo sob as bombas e como estavam sobrevivendo”. Ela percebeu que, enquanto se falava sobre os palestinos, suas vozes e sentimentos estavam “quase totalmente ausentes da narrativa deste conflito na mídia”.
O olhar como resistência
A busca por essa voz levou a cineasta ao Cairo, após tentativas frustradas de entrar em Gaza via Rafah. Lá, um amigo palestino a conectou a Fatma Hassona, uma jovem fotógrafa do norte de Gaza. “Um milagre aconteceu quando conheci Fatma Hassona”, declarou Farsi. “Ela se tornou meus olhos em Gaza, onde resistia documentando a guerra, e eu, um elo entre ela e o resto do mundo, desde sua ‘prisão de Gaza’, como ela dizia”.
A ideia de fazer um filme à distância surgiu rapidamente, impulsionada pela experiência anterior de Farsi com seu filme Téhéran sans autorisation (“Teerã sem autorização”), feito com um celular, em 2009. Ela conta que sentiu o “imperativo de um testemunho, de um cinema de urgência, que supera os obstáculos físicos”.
A primeira conversa por vídeo com Fatma, em 24 de abril de 2024, foi imediatamente gravada. Farsi sabia que “cada conexão era única porque era precária, perigosa para ela, e podia ser cortada a qualquer momento”. Fatma, por sua vez, aceitou a proposta com entusiasmo, tornando-se, para Sepideh, o centro do filme.
O sorriso largo e o otimismo quase indestrutível emanam da jovem que responde às perguntas da cineasta e mostra o mundo destruído ao redor pela janela. Ela refuta a ideia de deixar Gaza. “É onde nascemos, podemos reconstruir”, diz no filme.
No dia 15 de abril, a diretora informou Fatma que o filme havia sido selecionado para Cannes e que faria de tudo para que ela pudesse estar presente. A jovem impôs apenas a condição de voltar em seguida a seu país. Mas ela e outros membros da família morreram em mais um ataque israelense durante a madrugada.
Cotidiano sob bombardeios
Fatma, que estudou fotografia e comunicação audiovisual na Universidade de Gaza, já fotografava há alguns anos antes da guerra, registrando a vida colorida de Gaza em seu Instagram. Após uma pausa forçada pelo perigo em outubro de 2023, ela retomou a fotografia em dezembro, dedicando-se a documentar o dia a dia sob os bombardeios.
Resiliente e confiante, Fatma repetia a frase paradoxal: “We are used to it, but we’ll never get used to it” – “estamos acostumados, mas nunca vamos nos acostumar”, em tradução livre.
Farsi soube com “terror” do ataque israelense que matou Fatma e vários membros de sua família. “Ela não viu o filme. Deveríamos descobri-lo juntas em Cannes”. A mãe de Fatma, única sobrevivente da família, pediu a Sepideh que continuasse a representar a filha e mostrar suas fotos ao mundo: “Faça como se ela estivesse lá, e até mais”.
Neste ano, em Perpignan, o trabalho de Fatma Hassona está lado a lado com os maiores nomes do fotojornalismo, registrando momentos do cotidiano do norte de Gaza abalado por ataques incessantes.
O filme “Put Your Soul on Your Hand and Walk”, uma coprodução França-Irã-Palestina, já tem distribuição em diversos países, incluindo o Brasil.
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Fonte: Metrópoles
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