Putin traça visão de mundo multipolar e critica “hegemonia” ocidental

A participação de Vladimir Putin no Fórum de Discussão de Valdai, realizado em Sochi, mostrou a visão geopolítica do presidente da Rússia. Em um discurso longo e repleto de críticas ao Ocidente, Putin defendeu a ideia de um mundo multipolar e acusou a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) de alimentar uma “histeria artificial” em torno de Moscou.

O líder do Kremlin ironizou os países membros da Aliança e mandou recado aos líderes europeus. “Quero apenas dizer: acalmem-se, durmam tranquilos e cuidem dos seus próprios problemas. Basta ver o que acontece nas ruas das cidades europeias”.

Em outro momento, reagiu com deboche às acusações de que drones russos violaram o espaço aéreo de países europeus: “Não vou mais mandar drones para a Dinamarca, prometo”.

“A Rússia está testando a capacidade de resposta da Otan”

Em entrevista ao Metrópoles, o especialista em direito internacional Pablo Sukiennik analisou o discurso e os interesses estratégicos da Rússia — alertando para uma nova escalada no conflito Rússia-Ucrânia, agora com a Otan no tabuleiro.

Putin foi incisivo durante sua fala em Valdai, onde alertou:  “Todos os países da Otan estão em guerra conosco. Eles não estão mais escondendo isso”.

“Atualmente, com tantos incidentes que ocorreram entre a Rússia e países da Otan, o que parecia algo mais distante, como uma ideia de expansão da Rússia para além da Ucrânia, era um cenário considerado quase improvável. Hoje já há elementos para pensar dessa maneira. Ou, pelo menos, de que a Rússia está testando a capacidade de resposta da Otan”, avalia o especialista.

Para Sukiennik, o interesse de Moscou em um mundo multipolar é evidente:

“Em síntese, o surgimento de um mundo multipolar, de fato, é de interesse da Rússia, porque isso permitiria com que a Rússia saísse do isolamento que se encontra hoje. Então, o surgimento de um mundo multipolar permitiria, enfim, ampliar esse rol de países com os quais se relaciona, incluindo comercialmente”.

O interesse da Rússia em um mundo multipolar demonstra estar ligado à ampliação de sua capacidade de negociação com outros países, o que permitiria aumentar os fluxos comerciais e, ao mesmo tempo, sustentar seus interesses na vizinhança próxima, preservando, ao que tudo indica, pelo menos parte de sua influência regional.

Aceno a alianças

Segundo o presidente russo, essa articulação não nasceu por acaso, mas da necessidade de criar fóruns multilaterais que funcionassem de maneira diferente do modelo ocidental.

“Não havia alternativa à busca de soluções consensuais. Gradualmente, percebemos que precisávamos criar instituições onde as questões fossem resolvidas genuinamente com base no consenso, no alinhamento de posições. Foi assim que surgiu a OCS – a Organização de Cooperação de Xangai”, afirmou Putin.

Ele explicou que a mesma lógica levou à formação do Brics, inicialmente a partir do diálogo entre Rússia, Índia e China (RIC), e posteriormente ampliado com a entrada de Brasil e África do Sul.

Para o líder russo, o avanço dessas plataformas demonstra que é possível construir mecanismos de equilíbrio e cooperação sem imposição unilateral, garantindo estabilidade ao que chama de “novo e complexo mundo multipolar”.

Recentemente, Moscou intensifica a parceria estratégica com a Índia, um dos países mais impactados pelas tarifas impostas pelos Estados Unidos, sinalizando a tentativa russa de consolidar um eixo alternativo à hegemonia ocidental.

Sukiennik, destacou então, que a concepção multipolar não é exclusiva da Rússia:

“Essa concepção não diz respeito exclusivamente à Rússia ou a Putin. Ela é compartilhada no âmbito dos Brics e, de certa forma, é alimentada pelo governo brasileiro, assim como pelos chineses e indianos. Todos têm interesse nessa ideia de um mundo em que não haja apenas uma ou duas superpotências, mas múltiplas potências”.

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3 de 4Divulgação/Kremlin
4 de 4Contributor/Getty Images

Força militar e energia como instrumentos

Segundo o especialista, a Rússia possui dois pilares centrais para ampliar sua influência além das fronteiras: a capacidade militar, que pode ser projetada por meio da venda de armamentos, envio de tropas ou até pela instalação de bases militares e apoio a governos estrangeiros — fenômeno mais visível no continente africano —, e os combustíveis fósseis, em especial o petróleo, que mesmo sob embargo ocidental continuam sendo comercializados por canais alternativos.

Ele pondera, contudo, que a lógica russa não deve ser analisada a partir de uma ótica exclusivamente ocidental.

Para ele, compreender como o próprio imaginário político e estratégico é construído dentro da Rússia é fundamental, já que aquilo que pode parecer irracional sob os parâmetros do Ocidente segue uma racionalidade distinta no contexto russo.

Fonte: Metrópoles

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