O shutdown do governo norte-americano completou sua segunda semana em meio a prejuízos econômicos crescentes e sem previsão de término. Tal impasse entre republicanos e democratas, que paralisou parte da máquina pública, já levou à demissão de mais de 4 mil empregados federais.
Enquanto isso, Donald Trump tem concentrado esforços fora do país, mediando crises internacionais e ampliando a presença diplomática dos EUA, num contraste com o cenário de paralisia interna.
O que é o shutdown
- Nos Estados Unidos, o shutdown ocorre quando o Congresso não aprova o orçamento federal, obrigando o governo a paralisar parte de suas atividades.
- Sem recursos, departamentos e agências interrompem serviços considerados não essenciais, como museus, parques e parte do funcionalismo público.
- Apenas áreas vitais — como defesa, segurança e saúde — continuam operando. Servidores afetados podem ser afastados ou trabalhar sem receber, ampliando os efeitos econômicos e sociais da crise.
Política externa em alta, máquina interna parada
Em meio à crise interna, Trump continua projetando os Estados Unidos como mediador global. Na última semana, anunciou o cessar-fogo entre Israel e Hamas, declarando o “fim da guerra em Gaza” e prometendo a reconstrução do território. “Alcançamos um avanço significativo no Oriente Médio”, afirmou.
Ao mesmo tempo, o republicano segue com atenções voltadas a Ucrânia. Trump pretende se reunir nesta sexta-feira (17/10) com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, em Washington, para discutir defesa aérea e possíveis fornecimentos de mísseis Tomahawk — decisão que pode redefinir a guerra contra a Rússia.
Em entrevista ao Metrópoles, o jornalista e observador da Casa Branca Fernando Hessel avalia que o governo americano “contornou”, mas não resolveu a crise financeira que atinge o funcionalismo, direcionando sua prioridade a políticas externas.
“A prioridade política e financeira do governo americano parece estar muito mais voltada para fora do que para dentro”, avalia Hessel. “A estimativa é que, nesses 15 dias de paralisação, algo em torno de US$ 500 a US$ 600 milhões tenham sido direcionados para atender duas frentes estratégicas: Israel e Ucrânia. Enquanto isso, serviços públicos internos continuam paralisados, famílias estão sem receber salários e setores inteiros do país seguem parados. É uma escolha clara de prioridades.”
Nesta semana, Trump ainda recebeu em Washington o presidente da Argentina, Javier Milei, para discutir um pacote de apoio financeiro de US$ 20 bilhões e um possível acordo de livre-comércio. O encontro ocorreu paralelamente às reuniões do FMI e do Banco Mundial, e Trump aproveitou a ocasião para criticar as relações comerciais entre Buenos Aires e Pequim.
“Vocês podem cooperar comercialmente, mas não devem fazer mais nada com a China”, disse Trump.
Pentágono assumiu salários dos militares
O presidente norte-americano assinou na quarta-feira (15/10) uma ordem executiva que determinou ao secretário de Guerra, Pete Hegseth, o pagamento de salários aos militares da ativa, mesmo com o shutdown em vigor.
“O pagamento acabou saindo, mas foi uma operação de emergência. O Pentágono teve que realocar cerca de US$ 6,5 bilhões de outros fundos para garantir que os militares da ativa recebessem. Ou seja, não é que a crise foi resolvida, foi apenas contornada”, explicou Hessel.
O clima entre os militares chegou a ser de apreensão, com muitos se preparando para o pior. Alguns recorreram a linhas de crédito especiais oferecidas por bancos parceiros, como o Navy Federal, que liberaram empréstimos sem juros para quem não recebesse o pagamento no prazo.
“O problema é que isso não significa estabilidade. Foi uma solução pontual, que pode não se repetir no fim do mês. Se o impasse político continuar, vai afetar não só os militares da ativa, mas também de reservistas e civis ligados ao Departamento de Defesa, que continuam sem receber. Isso cria uma tensão enorme na estrutura militar.”
Impasse político e desgaste social
De acordo com Hessel, a paralisação do governo “continua sem previsão concreta de término porque republicanos e democratas seguem travados numa disputa feroz”.
Os democratas defendem que qualquer acordo orçamentário preserve o financiamento de programas de saúde pública, como Medicaid, Medicare e Obamacare, considerados essenciais para garantir atendimento médico acessível à população. A manutenção desses programas está no centro do impasse que paralisa o governo.
Milhares de servidores públicos seguem afastados de suas funções. Cerca de 900 mil trabalhadores federais foram colocados em licença não remunerada, enquanto centenas de milhares continuam atuando sem receber pagamento imediato.
“É uma incoerência gritante. O governo americano mobiliza esforços expressivos no exterior, para projetos diplomáticos ou de segurança, enquanto o próprio funcionamento interno está em risco.”
Nova frente de conflito com a China
Enquanto negocia com aliados, o presidente norte-americano abriu uma nova frente de tensão com a China. Em coletiva na Casa Branca, declarou que o país está em uma “guerra comercial” com Pequim, O norte-americano já havia confirmado a aplicação de tarifas de 100% sobre todos os produtos chineses a partir de novembro.
Antes de anunciar a escalada na relação entre as potências, Trump já havia criticado a China por não comprar soja norte-americana. O republicano afirmou que o governo estuda medidas de retaliação.
A paralisia que não termina
Com a crise política travando o orçamento, o Senado voltou a rejeitar o projeto de financiamento emergencial apresentado pelos republicanos. O senador John Kennedy (Partido Republicano) previu que a paralisação “pode ser a mais longa da história”, superando os 35 dias de shutdown registrados entre 2018 e 2019.
“No fim das contas, isso não é uma briga por orçamento, é uma briga de ego”, resume Fernando Hessel. “Uma disputa de poder entre duas forças políticas que se recusam a recuar.”
Fonte: Metrópoles
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