A recente maratona diplomática do presidente da Rússia, Vladimir Putin, vai muito além de um gesto protocolar ao Ocidente. O recado tem endereço certo: a Casa Branca, em Washington, sob Donald Trump. As ofensivas do republicano para forçar um cessar-fogo na Ucrânia obrigam o líder do Kremlin a remodelar o tabuleiro geopolítico, fortalecendo alianças com países da Eurásia e do Sul Global, como China, Coreia do Norte e Índia.
Enquanto Volodymyr Zelensky conta com o apoio de Trump e de líderes europeus, Putin busca reforçar o respaldo de seus aliados.
No fim de agosto, Putin desembarcou na China e encerrou, em 3 de setembro, uma série de encontros bilaterais com Xi Jinping e Kim Jong-un. O gesto foi visto como demonstração de força simbólica de uma frente alternativa à influência dos Estados Unidos e da Europa.
A visita começou em Tianjin, durante uma cúpula regional extraordinária que reuniu líderes de uma dúzia de países do Sul Global. O Kremlin destacou que não pretende pautar seus movimentos pela ótica do Ocidente. Segundo o porta-voz Dmitry Peskov, Moscou deve abandonar a “abordagem pejorativa” de medir cada gesto pela reação externa.
Reforço de laços
Além de Xi e Kim, Putin se reuniu com o premiê da Índia, Narendra Modi, o presidente turco Recep Tayyip Erdogan e outros 15 chefes de Estado e governo, assinando mais de 20 acordos com Pequim. As áreas vão de energia e ciência até inteligência artificial e fornecimento de gás.
Xi chamou o russo de “amigo querido” e afirmou que as relações bilaterais estão no “patamar mais alto da história”. Putin, por sua vez, declarou que a parceria com a China é parte do caminho para um “mundo multipolar mais justo”.
No mesmo evento, Xi Jinping lançou a Iniciativa de Governança Global (IGG), apresentada como embrião de uma nova ordem mundial. O líder chinês advertiu que o sistema internacional segue “ameaçado pela mentalidade da Guerra Fria, o hegemonismo e o protecionismo”.
Especialistas ouvidos pelo Metrópoles, avaliam que o encontro demonstra um avanço da Rússia em direção a uma alternativa ao eixo ocidental, mas escancaram uma certa fragilidade de Moscou.
Na visão da advogada internacionalista Hannah Gomes, o Kremlin parece querer fortalecer seus laços políticos com as potências.
“Esse encontro multilateral pode ser visto como um avanço na busca russa em fortalecer uma alternativa ao eixo ocidental. A presença de Xi Jinping e Kim Jong-un simboliza a solidificação de laços comerciais, políticos e, potencialmente, militares na Eurásia. A pressão das sanções empurra a Rússia para uma cooperação mais estreita com países que também se sentem ameaçados ordem liderada pelos EUA.”
Índia na equação
Apesar das tarifas de até 50% impostas por Trump contra Nova Délhi, o premiê Narendra Modi apareceu em público ao lado de Xi e Putin, em clima de cordialidade.
Para o Kremlin, a recusa da Índia em suspender a compra de petróleo russo foi recebida como sinal de independência em relação à pressão ocidental.
Desfile militar na China
- O governo da China realizou um grande desfile militar em 3 de setembro, na Praça Celestial da Paz, em Pequim.
- A parada militar contou com a presença de 24 lideranças mundiais, a maioria de países asiáticos ou de ex-repúblicas da União Soviética.
- O evento marcou o primeiro encontro entre Xi Jinping, Vladimir Putin e Kim Jong-un.
Kim Jong-un e “frente simbólica”
O encontro com Putin com Kim Jong-un, da Coreia do Norte, rendeu promessas de apoio à Rússia na guerra e reforçou a percepção de um novo eixo geopolítico.
Na sexta-feira (5/9), Kim reafirmou: “Apoiaremos integralmente o governo e o exército russo em sua luta para defender a soberania do Estado, a integridade territorial e os interesses de segurança. Permaneceremos fiéis ao tratado entre a República Popular Democrática da Coreia”.
Reação dos EUA e da Europa
Donald Trump reagiu com ironia nas redes sociais. Na Truth Social, acusou Xi, Putin e Kim de “conspirarem contra os Estados Unidos” e afirmou ter “perdido a Rússia e a Índia para a China”.
Washington intensificou a pressão por sanções energéticas contra Moscou, defendendo que a União Europeia e outros aliados reduzam as compras de petróleo e gás russos.
Na Europa, a chefe da diplomacia da União Europeia, Kaja Kallas, considerou o encontro entre os três líderes um “desafio direto à ordem internacional” e “um sinal antiocidental”.
O professor Gustavo Menon, da UCB e da American Global Tech University, ressalta que a movimentação expõe a construção de blocos paralelos.
“O encontro evidenciou a formação de um bloco entre Rússia, China e Coreia do Norte, contrapondo-se ao imperialismo ocidental. Esse jogo diplomático reflete as complexas alianças em curso, com a Rússia tentando se apoiar no Oriente para enfrentar pressões.”
Já o advogado internacionalista Julian Rodrigues Dias vê fragilidade na postura de Moscou:
“A cena de Putin ao lado de Xi e Kim foi apresentada como demonstração de força, mas deixa transparecer fragilidade. Moscou precisa de Pequim para manter a economia respirando e busca em Pyongyang apenas um reforço de retórica”.
Fonte: Metrópoles
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