O primeiro-ministro francês, Sébastien Lecornu, propôs nessa terça-feira (14/10) ao Parlamento suspender a impopular reforma da Previdência de 2023 até a próxima eleição presidencial, prevista para 2027, para superar a profunda crise política que abala a França.
A suspensão da reforma era uma das linhas vermelhas da oposição socialista para não somar seus votos ao restante das siglas de esquerda e de extrema direita, que anunciaram antecipadamente a intenção de derrubar o terceiro chefe de governo do presidente Emmanuel Macron em menos de um ano.
“Proporei ao Parlamento neste outono [primavera no Brasil] suspender a reforma previdenciária de 2023 até a eleição presidencial”, afirmou o premiê durante a apresentação de seu programa de governo na Assembleia Nacional dos deputados.
O Partido Socialista (PS) respondeu afirmando que não censuraria o governo, pelo menos não imediatamente. Saudando a suspensão, “uma vitória” e também um “primeiro passo que nos permite considerar os próximos passos”, o líder parlamentar do PS, Boris Vallaud, disse que queria “apostar” na possibilidade de construir um orçamento justo para o país. “Estaremos vigilantes para garantir que suas palavras se traduzam em ações”, prometeu.
Reforma impactou princípios democráticos
O aumento gradual da idade mínima de aposentadoria, de 62 para 64 anos até 2030, e a exigência de 43 anos de contribuições para obter aposentadoria integral a partir de 2027 cristalizaram o descontentamento com as políticas do presidente de centro-direita desde 2023.
A esquerda fez campanha pela revogação da reforma durante as legislativas antecipadas de 2024, que provocaram a atual crise política ao deixar uma Assembleia Nacional (câmara baixa) sem maioria e dividida em três blocos: esquerda, centro-direita e extrema direita.
Os socialistas haviam pedido a suspensão da reforma para não derrubar Lecornu. Duas moções de censura, apresentadas pela esquerda radical e pela extrema direita, serão debatidas na quinta-feira (16) e, se aprovadas, Macron advertiu nesta terça-feira que haverá uma antecipação do calendário eleitoral.
Enquanto espera a resposta dos socialistas, o líder comunista Fabien Roussel comemorou “uma primeira vitória”, enquanto o líder da esquerda radical Manuel Bompard, do partido A França Insubmissa, denunciou que Lecornu estava simplesmente ganhando tempo e fez um apelo para censurá-lo.
Nobel de Economia impulsionou decisão
A suspensão da reforma da Previdência divide a base governista. O presidente, que a impôs por decreto, havia recusado até o momento ceder a essa reivindicação que a oposição de esquerda e os sindicatos vinham pedindo há mais de dois anos.
O recém-coroado Prêmio Nobel de Economia, o francês Philippe Aghion, chegou a pedir um acordo sobre a suspensão da reforma para evitar o “perigo” de o partido de extrema direita de Marine Le Pen, que lidera as pesquisas, chegar ao poder.
Aghion assessorou a equipe econômica do ex-presidente François Hollande e também contribuiu para reformas adotadas no primeiro mandato de Macron.
Compensar
Lecornu, de 39 anos, destacou que não haverá nenhum atraso na idade “até janeiro de 2028”, como solicitado pelo sindicato francês CFDT, e a duração da contribuição também permanecerá congelada em “170 trimestres até janeiro de 2028”.
No entanto, em um momento em que a segunda economia da União Europeia está sob pressão para reduzir sua elevada dívida pública (115,8% do PIB) e para levar o nível de déficit público abaixo de 5% do PIB em 2026, ele alertou que a suspensão terá um custo.
Essa medida, que beneficiará 3,5 milhões de franceses, custará “€ 400 milhões” (R$ 2,5 bilhões) em 2026 e “€1,8 bilhão” (R$ 11,3 bilhões) em 2027, destacou Lecornu, alertando que deverá ser “compensada com economias”.
Lecornu, que se autodefine como um ‘monge soldado’, também respondeu a outras demandas dos socialistas, como a renúncia de adotar os orçamentos e as leis sem votação no Parlamento, como permite um artigo constitucional, e abriu a porta para medidas de justiça fiscal.
A oposição socialista reivindicava maior taxação sobre os super-ricos com a introdução de várias medidas, como a chamada ‘taxa Zucman’, que consiste em impor 2% anuais sobre patrimônios superiores a € 100 milhões (R$ 630 milhões).
O primeiro-ministro já rejeitou essa taxa, mas em uma tentativa de se aproximar dos socialistas, seu projeto prevê prolongar a contribuição excepcional sobre os lucros das grandes empresas e sobre as grandes fortunas, entre outras medidas.
Durante a manhã, Lecornu apresentou seu projeto de orçamento para 2026 ao Conselho de Ministros. A proposta prevê um esforço fiscal de € 30 bilhões (R$ 190 bilhões), em grande parte devido a uma redução nos gastos públicos. Nos próximos meses, os deputados devem propor uma série de emendas ao texto original. Mas o déficit deve “ser, em todos os casos, inferior a 5% no final da discussão parlamentar”, especificou Lecornu, após apresentar um projeto de orçamento com déficit de 4,7% do PIB.
Fonte: Metrópoles
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